O Centro Afro Carioca de Cinema tem por finalidade a promoção da cultura afro brasileira e de seus artistas, além de elaborar projetos e ações que visem a realização permanente de atividades culturais. Seu foco é a valorização da produção cinematográfica brasileira, africana e caribenha como um ato social de transmissão de sabedoria, formação técnica e artística, profissionalização e a inclusão no mercado de trabalho.
Situado no coração da Lapa no Rio de Janeiro, o Centro Afro Carioca de Cinema, realiza oficinas, debates, seminários, mostra de filmes nacionais e internacionais, lançamentos de livros, buscando abrir novos caminhos a partir de um olhar contemporâneo onde o resgate histórico é feito através do Negro como sujeito da ação, percebendo a diversidade da Cultura Brasileira e a importância da oralidade da cultura africana.
Intensificar as relações internacionais com o Continente Africano, incentivando o Intercâmbio Cultural Brasil África através das relações entre cineastas afro-descendentes do Brasil com cineastas Africanos, também é uma ação do Centro Afro Carioca de Cinema.
Na construção de sua trajetória o Centro Afro Carioca de Cinema vem tornando-se referência Nacional e Internacional, através de um trabalho de conscientização, memória e incentivo a novos caminhos, de aumento de auto estima e da compreensão do mundo através da arte cinematográfica, que proporciona sua integração com a educação, da compreensão da importância da Cultura Africana e de sua influência na cultura brasileira.
Através da realização dos “Encontros de Cinema Brasil África”, que de 2007 a 2012, recebeu cineastas de diversos países, como: Nigéria, Costa do Marfim, Camarões, Burkina Faso, Guine Conacry, Angola, Cuba, Guadalupe, Cabo Verde e do Senegal. A experiência obtida com os Encontros incentiva as novas produções e o intercâmbio com artistas de outros Continentes, não só recebendo-os a cada ano como também proporcionando a experiência, já (por vezes), de cineastas e técnicos envolvidos no trabalho do Centro Afro Carioca de Cinema em conhecer outros países como o Senegal e Burkina Faso.
O Início, por Zózimo Bulbul
Em resumo tudo começou quando o meu filme “Abolição” foi selecionado para um festival de cinema de diretores da diáspora Africana em Nova York no ano de 1995. Naquela ocasião eu tomei um susto por que a metade da platéia desse festival era de africanos. Nessa época eu não sabia muito bem o que era Burkina Faso nem tinha muito conhecimento sobre a África, e estes africanos que estavam no festival não sabiam que existiam no Brasil negros fazendo cinema, foi uma ótima oportunidade para trocar informações. Nos últimos dias do evento me fizeram o convite, para ir em 1997 participar do FESPACO – Festival Pan Africano de Cinema de Ouagadougou, em Burkina Faso. Eu me senti muito honrado, pois esse festival é o mais importante da África e um dos mais importantes do mundo. O “Abolição” tinha ganhado o festival de Brasília em 1988, também ganhou um prêmio em Cuba, e nesse festival em Cuba me chamaram para ir a Nova York.
Ganhei mais um prêmio em Nova York, mas aqui no Brasil nunca saiu uma nota de jornal sobre o filme e sobre os prêmios que eu ganhei. Voltei muito triste com essa coisa do filme ter ganhado vários prêmios em festivais e aqui no Brasil não ter acontecido nada, nem comigo e nem com o filme. Eu tinha pretensão de ser conhecido de mostrar o filme, eu queria botar a cara na rua, discutir não só a cinematografia negra brasileira, mas também a temática do filme, e ficou uma coisa muito do tipo “cala boca negão – isso não existe!
– você está inventando essas coisas!” Isso começou a me dar uma frustração muito grande.
Quando cheguei a Burkina Faso em 1997 foi uma surpresa muito grande, eu fui muito bem recebido, desde o aeroporto, até o hotel e durante o festival, fui respeitado, como preto brasileiro, cineasta, convidado do festival.
Quando vi o povo na cerimônia de abertura, mais de vinte mil pessoas em um campo de atletismo eu me emocionei muito. A diferença do FESPACO para os outros festivais de cinema pelo mundo é que no FESPACO o povo participa, o povo de Burkina Faso e de países próximos participam, e nestes outros festivais como “Cannes” e até mesmo o “Festival do Rio” são festivais feitos para a elite, e não para o povo.
Voltei para o Brasil com a certeza de que era necessário fazer algo sobre o cinema negro, só não sabia o que era ainda. Dez anos depois, em 2007, fui convidado juntamente com outros cineastas e atores Afro-brasileiros, para o Encontro de Cinema Latino-americano de Toulouse, na França. Cheguei na cidade e fiquei surpreso. Uma cidade pequena, com muita gente de diversos países, e não tinha os “palácios”, que a gente encontra nos grandes festivais, lá tudo é pequeno, na medida certa, salas de cinema lindíssimas com 80 lugares,por exemplo. Isso me influenciou muito. Aquela idéia de fazer algo voltado para o cinema negro ia tomando forma, então eu percebi que não precisava de um lugar imenso, para fazer uma sala de cinema, e voltei com a idéia de colocar em prática a realização de um espaço destinado a exibir os nossos filmes, filmes de cineastas pretos e pretas do Brasil e da África.
Foi aí que, em um espaço onde havia uma carpintaria, em plena Lapa, achei o lugar certo para criar o Centro Afro Carioca de Cinema. Uma das coisas mais gratificantes da minha vida, quando eu saía de casa e ia pra lá acompanhar as obras,com um imenso “tesão” eu ia todos os dias. Derrubávamos paredes, pintávamos, assim reformamos a casa toda. Biza e eu acompanhamos tudo, eu ainda não estava muito bem de saúde, não estava andando bem, mas o processo de criação do Centro Afro Carioca me deu motivação para eu me recuperar. Uma grande inspiração para a criação do Centro Afro Carioca de cinema, foi o nosso mestre Candeia e o Grêmio Recreativo Arte Negra Quilombo. O que essa escola de samba representava em nível de revolução e inovação em relação ao carnaval, e a questão do rompimento com o que estava estabelecido.
A Sala está pronta, e agora?
Depois da sala pronta, veio a pergunta, “o que vamos fazer o que aqui?” Tínhamos que movimentar o Centro, pensei em dar aulas, oficinas voltadas para o cinema, mas vi que seria difícil fazer isso sem patrocínio.Foi aí que tivemos a idéia do I Encontro de Cinema Negro Brasil África. Trouxemos cineastas Africanos, e seus filmes premiados, com o apoio do consulado da França.
A importância desse encontro se dá entre outras coisas para dar visibilidade aos cineastas negros e negras do Brasil e aos seus filmes, muita gente que eu nem sabia que existia, mas existe e está fazendo cinema, e o Encontro foi uma oportunidade de mostrar a nossa cara, de se ver os filmes e debater a respeito dos mesmos, pois pra mim é muito importante debater o cinema, não basta só assistir. Quando nós abrimos o Centro Afro Carioca de Cinema, e fiz o I Encontro de Cinema Brasil África, sabia que isso aqui era uma arma, e que vai dar frutos lá na frente. Ao invés de comprar um “38” ou uma metralhadora, e ir para favela eu optei por trazer a favela aqui pra dentro, pra estudar o audiovisual, o cinema, que para mim é a arma mais moderna que existe hoje.
Agradecimentos:
2018
2013